O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a falar na taxação de dividendos distribuídos por empresas a acionistas como um dos pontos principais da reforma tributária que o governo deseja realizar. Neste texto, vamos abordar como a proposta pode mexer com o mercado de ações e afetar especialmente os investimentos em algumas empresas.
Nesta quarta-feira (18), em entrevista à jornalista Natuza Nery, do Grupo Globo, Lula declarou: “Nós precisamos fazer uma reforma tributária de verdade para que as pessoas mais ricas, para as pessoas que vivem de dividendos, para as pessoas que ganham mais dinheiro paguem mais Imposto de Renda, e as pessoas que ganham menos, paguem menos Imposto de Renda”.
O tema é uma das promessas de campanha do Lula, assim como a promessa de atualização da tabela de descontos do Imposto de Renda de Pessoa Física – o presidente diz que deseja isentar todos que recebem até R$ 5.000,00. A taxação de dividendos serviria, então, como compensação para as perdas na arrecadação.
Ainda não há uma definição clara de como se daria a taxação – se o valor seria debitado na fonte como tributação exclusiva, ou se seria incluído na declaração de Imposto de Renda do ano seguinte com possibilidade de restituição. O tema deve entrar em debate apenas na segunda etapa da reforma tributária, que versará sobre a tributação de renda.
Segundo os ministros Fernando HaddadFazenda) e Simone Tebet(Planejamento), a primeira parte da discussão vai abordar os impostos sobre consumo.
O que são dividendos e como eles funcionam hoje
Os dividendos são proventos pelos quais as empresas e os fundos imobiliários distribuem parte de seu lucro entre os acionistas/cotistas. Esse valor é depositado diretamente em conta corrente e não tem incidência de tributação.
A distribuição de dividendos é obrigatória para as empresas listadas na B3, mas não existe uma norma sobre o percentual dos lucros que deve ser distribuído. Algumas empresas são conhecidas por uma política agressiva de distribuição desses lucros, o que torna suas ações atraentes especialmente aos investidores que buscam uma renda extra periódica.
Como esse valor é auferido após o pagamento de impostos, a cobrança de impostos foi suspensa na década de 90 sob a alegação de que estava havendo dupla tributação – sobre a empresa e depois sobre as pessoas físicas.
Outra possibilidade de ganho para o acionista é o JCP, sigla para juros sobre capital próprio. Mas, ao contrário dos lucros, ele se refere ao faturamento da empresa antes do pagamento de taxas e impostos.
O JCP é registrado como despesa no balanço da empresa e usado para reduzir a tributação, o que transfere ao acionista a obrigação de contribuir: são 15% descontados na fonte, na hora do pagamento, por regime de tributação exclusiva, sem direito a reembolso.
- 15% de imposto sobre dividendos, fim do JCP e sem redução do imposto de renda corporativo;
- 15% de imposto sobre dividendos, fim do JCP e redução de 5 p.p. do imposto de renda das pessoas jurídicas.
Analistas comentam possível taxação de dividendos
Denys Wiese, estrategista da EQI Investimentos, acredita que a adoção de um imposto sobre os dividendos tende a causar impacto negativo no mercado de ações. “Se a alíquota for de 15%, as ações vão render 15% menos, vão ter um valor 15% menor”, diz.
Mas ele lembra que o debate é antigo – há duas propostas em tramitação no Congresso que devem ser unificadas em estudos do governo, coordenados pelo secretário especial de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy.
“Não dá para saber a velocidade com que isso vai tramitar no Congresso. Faz anos que estão tentando taxar dividendos e a proposta não passa, porque ela prejudica as empresas, aumenta os impostos e prejudica toda uma cadeia”, afirma Wiese.
Felipe Paletta, analista de fundos imobiliários da Monett, acredita que o mercado de FIIs será fortemente afetado, mas também prevê forte pressão do mercado. “Falamos de uma indústria grande, com quase dois milhões de investidores que fazem barulho”, aponta.
Já o head da EQI Research, Luis Fernando Moran, acredita que a discussão sobre os dividendos não pode sobrepor outros pontos importantes na hora de o investidor fazer sua escolha, como o quanto a política de distribuição de dividendos pode interferir na capacidade de investimento da empresa e, consequentemente, na sua rentabilidade.
“Escolher ações com base nos dividendos é uma maneira imperfeita de avaliação, pois olha somente como o valor gerado no passado foi distribuído. O fator relevante para a avaliação de um investimento é o valor a ser gerado no futuro”, analisa Moran.
BTG fez análise do impacto; veja setores mais afetados
Em dezembro, ainda durante a transição de governo, o banco BTG Pactual (BPAC11) divulgou relatório sobre a possibilidade de taxação de dividendos, com projeções sobre as empresas que seriam mais afetadas pela proposta, a partir de duas possibilidades de cenários:
“Empresas que pagam muito JCP, como bancos e empresas de telecomunicações, sofreriam mais. No primeiro cenário (15% de imposto sobre dividendos, fim da JCP, sem qualquer compensação), ambos os setores sofreriam uma queda de 17% em seus lucros em 2024. No segundo cenário, de cerca de 10%”, projeta o banco, com a estimativa de que esse trecho da reforma tributária só entre em vigor em 2024.
Outras empresas afetadas poderiam ser a Ambev, conhecida pelo forte pagamento de JCP, e as empresas de serviços básicos, como as distribuidoras de energia elétrica. “Os dividendos perderiam competitividade em relação aos rendimentos dos títulos de renda fixa”, projetam os analistas.
No geral, as empresas perderiam cerca de 8% do lucro, no primeiro cenário, e 1%, no segundo cenário, com um corte do Imposto de Renda.
As empresas que não fazem pagamentos de JCP não seriam diretamente afetadas se não houver mudança de alíquota do Imposto de Renda, e podem até ver seus lucros aumentarem se o governo fizer a compensação. Considerando o segundo cenário, os lucros para o varejo em geral, provedores de internet (ISPs) e empresas de alimentos aumentariam de 6 a 7% em 2024.
Ainda assim, embora algumas empresas vejam seus lucros subirem, seus acionistas provavelmente receberão menos, já que o crescimento não deve superar os 15% cobrados de imposto.